quinta-feira, 10 de setembro de 2009

Subindo e descendo


Perdeu. Foi uma questão de segundos,
mas é assim mesmo, quando não é pra
ser não há nada à fazer. Hum... Será?

Era esse seu pensamento, naquele finalzinho da tarde, na plataforma da estação vendo ao longe o trem que partia... havia se perdido. Pensou em voltar para casa em que estava hospedado, na periferia de londres, mas resolveu esperar o próximo trem, que chegaria em 15 minutos. Sentado naquele banco de ferro tão gelado quanto o vento, observou que um rapaz ao seu lado também estava aflito. resolveu puxar assunto e perguntou:

- One of those days, right?
- Sim, um dia e tanto... não se assuste sou brasileiro e percebi de imediato que vc também é.
- Como?
- Ah! adivinhe...

Sentados no banco por alguns minutos se instalou um silêncio, uma breve pausa, algo que levava o pensamento de duas pessoas ao longe. Os dois pareciam espelhos um do outro.Pensavam juntos o que levaria perder aquela partida, já haviam tantas vezes tentado. Até que um perguntou ao outro.

- Porque quer partir? Para voltar ou para ir embora? O outro num tom calmo, respondeu:

-Para chegar...chegar em algo que eu mesmo não sei explicar... e você?
-Eu, mais uma vez, tentei partir, mas todos os dias perco o trem e fico aqui sentado ao vento, esperando a minha hora. Não se pode mais adiar, é preciso uma decisão. Faço um trato, assim que o próximo trem chegar subirei lentamente, degrau por degrau, o vento gelado sob meu corpo ficará pra trás, levarei somente os momentos aqui vividos, algumas oportunidades perdidas e a certeza de estar sempre partindo...

Olharam-se profundamente no mesmo instante em que o trem abria suas portas. Subiram os degraus, entraram no trem e logo este partiria para longe dali. Cada um tinha em mente que tanto podiam voltar para suas antigas vidas ou começar uma nova à partir daquele momento. Era tentador, a oportunidade se apresentava mas algo impedia, um aperto no coração, lembranças indo e vindo,o medo dominando tudo, até que num gesto tresloucado o primeiro tirou os oculos olhou nos olhos do outro e perguntou:

- Você não é bicha, é?
- Claro que não, respondeu o outro meio rindo, porque, vc tem medo de bicha?
- Não é isso, não tenho nada contra, acho até que os gays são muitas vezes mais sensiveis que os heteros com seu machismo infame...
- Ah!, disse o outro amigavelmente, então vc é bicha!
- hãã, um pouco...
- Hahahaha, sem problema meu amigo, compartilho de sua opinião embora prefira as mulheres. Na verdade tenho quase que so amigas, e apenas alguns conhecidos, acho a maioria dos homens brutais e pouco refinados, sinto-me meio excluido do universo masculino.
- Estou notando uma certa bichice em vc....
- Hahahaha, isso é engraçado, sinto desaponta-lo mas minha libido está mesmo voltada para aqueles seres diafanos que me seduzem ao passar, aquela leveza que até as gordas tem e que nenhum homem jamais conseguiria forjar.
- Serio, eu tambem te entendo, ha alguns anos atras eu tambem me apaixonei por uma mulher... acho que ela era meio masculina, hehehe, mas mesmo assim ainda era uma alma feminina... acabamos porque começamos a virar amigas, hahahaha
- Hahahaha, pelo visto não foi traumatico...
- Não, foi uma experiencia muito romantica. Nem sei porque te conto isso, mas so me apaixonei duas vezes em minha vida.
- Hum, e a outra historia foi com um rapaz...
- Pois é, e essa machucou minha alma.
- Sinto muito, me entristece ver historias sem final feliz
- Ora, algumas historias nem acabam, apenas se interompem flutuando no limbo da esperança.
- E quais as suas expectativas agora?
- Promete que não vai rir?
- Quase.
- Bom, entrei num seminario para ser padre.
- Hahahahahaha, desculpe, não pude me conter, quer dizer que por não conseguir definir suas preferencias sexuais vc se envolveu no universo divino?
- Mais ou menos isso. Vou lhe contar algo que aconteceu comigo em Cardiff quando fui visitar minha tia galesa: Cheguei num dia tipicamente enovoado e cheio de garoa quando vi pela primeira vez esta mulher, minha tia. Você nem pode imaginar o que senti ao vê-la, tinha em minha mente, uma imagem construída dia após dia, pela minha mãe sobre tia Annie. E no exato instante em que me deparei com ela, uma questão de segundos, surgiu a dúvida: minha mãe tinha mentido aquela imagem parada na minha frente, ainda que o nevoeiro atrapalhasse um pouco, não correspondia em nada à figura da minha infância, das histórias que ouvia naquelas noites. Com botas pretas e um velho chapéu marrom, ela foi se virando, virando como num filme; sabe como? É, desses de faroeste, na hora até pensei que ela fosse sacar uma pistola, mas que nada cara, a velhota, deu uma cuspida de lado e, com um sotaque enrolado disse: oi frangote, que bom, faz tempo que não chega um homem por aqui e dizia isso balançando sutilmente o corpo com as mãos entre as coxas. Cara! tremi todo....as imagens cheias de sensualidade da tia Annie suas pernas longas, seus seios firmes, seu cheiro doce, tudo ia se dissolvendo. Eu só podia querer mesmo conversar com Deus, pedir uma explicação, daí pra entrar no seminário foi uma questão de segundos. Afinal um acontecimento desses deixa qualquer um meio bicha ...
- hum... curioso. Não conheço sua tia Annie mas posso imaginar o susto. Eu tiraria de letra, dava um tapão nas costas da velha e diria: ô perua, cê ta mais pra la que pra ca hey? Sei la, ia depender do meu humor, talvez virasse as costas e fosse embora sem dizer uma palavra, talvez desse uma comida nela, uma surra, gargalhasse, chorasse mas não ia virar viado por causa disso nem padre... que é a meu ver, quase a mesma coisa.
- Cê acha que ser padre é viadagem?
- deixe-me colocar desta maneira, ser padre é hoje em dia a maneira mais ridicula de fugir da confrontação com um problema real, vc se entrega a Deus, ele te perdoa e tudo fica resolvido. Acho que o que te faltava mesmo é conhecer uma mulher de verdade, uma paixão que te consumisse e que te levasse a comparar com suas experiencias anteriores, buscar uma visão clara e finalmente decidir se vc prefere mulher ou ser um padeiro distraído.
- Padeiro distraído?
- É, aqueles que deixam queimar a rosca...
- Wow, que grosseiro!
- Desculpe, vc tem razão, piada de mal gosto, mas irresistivel vc ha de convir.
- Hahahaha, é mesmo, mas eu tinha que reclamar, isso não se diz a estranhos.
- É , mas depois de ter contado sobre a tia Annie, não somos mais assim tão estranhos.
- Fine, e quem vc vai me apresentar pra eu ter esta paixão consumidora?
- Ah, that´s your problem, gente é como livro, os melhores vc não acha, eles te acham!
- Foi o que aconteceu!, eu achei a Biblia!
- A Biblia?!? Mas a Biblia é um livro que fala tão somente de perdão e amor
- Sim é preciso ler com esses olhos, senão, vira tudo pecado e putaria.
- Bom, o que importa é amar, ¨Que pode uma criatura senão, entre criaturas, amar? amar e esquecer, amar e malamar, amar, desamar, amar? sempre, e até de olhos vidrados amar?¨ hehehe, Drumond, esse era o cara...
- Ora pois! Perdoe-se, ame-se, perdoe sua velha tia e é claro: escolha, lembre-se do livre-arbítrio.
- Você tem razão, vou procurar uma outra resposta.
- Por favor, não me entenda mal, se vc acha que o seminario é o seu caminho, por favor...
- Não, você esta correto, acho que é apenas uma fuga da confrontação.

Neste meio tempo uma outra composição entra na estação e o trem vai parando no terminal. As portas se abrem e muita gente vai descendo dos vagões. Os dois olham para o movimento e notam descendo a sua frente duas garotas charmosissimas. Entreolham-se sorrindo mas este sorriso desapareceu quando atras das moças uma voz ligeiramente esganiçada exclama para eles:

- I just can´t believe in my eyes! Se não é meu sobrinho maricas e seu namoradinho boiola!

O indeciso olha para seu novo amigo e diz:
- Existem mais criaturas entre o trem e a rampa do que sonha nossa vã filosofia.
- Sem dúvida, disse o outro, sont tout choses de la vie, mas eh bien, c'est l'amour! e la se foram conversar com tia Annie.

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Lucas, Celia, Jacke, Sueli e Sergio


5 comentários:

  1. Legal!!! Excelente ideia.
    (na minha mente era um caso de amor)
    Bjão

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  2. UALllll, ficou muito, muito lindo,adorei!
    a locomotiva perfeita),o "novo título", "os arranjos" na(da)escrita,'ARRASOU" editor.
    parabéns a todos nós.

    que venha uma nova!!!

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  3. bom, acho que pra gente melhorar as nossas historias a gente tem que ficar dentro do espirito dos personagens e não assumir poição pessoal.... well na verdade eu fui meio pessoal não deixando rolar uma transa homo na historia hahahaha mas é que esse lance me da urticaria então puxei pro lado respeito pelas preferencias alheias. Gostei do fechamento da Su, tava ficando longo mesmo e ela viu que era hora de fechar o barraco e o fez com poesia :o)

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  4. muito legal essa proposta da gente “melhorar” nossas histórias, concordo com o Sérgio, ainda que seja extremamente difícil o distanciamento: personagem/autor/narrador... e por ai..., mas acho super gostoso a gente tentar conhecer a nossa voz e, conceder voz aos personagens, eu não acredito nessa coisa de estilo, blá, blá,blá... não, penso que estilo quem tem é o personagem não o escritor.

    (melhora o barraco, ah! a gente sabe!!!) (nóis é brasileiro)

    grande dica Sérgio

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