quarta-feira, 23 de dezembro de 2009

Muito além das escadas.




Eram 23 pesarosos llances de escada até chegar à porta. O bolorento corredor era iluminado por uma única lâmpada que tremulava feito chama de vela. Não tinha muitas lembranças daquele lugar e simplesmente não entendia o que o levara ali novamente, poderia simplesmente ter ignorado o chamado.

Ao pisar as tábuas essas lamentavam sobre seu peso. Colocou a antiga chave na fechadura torcendo que ainda fosse a mesma combinação. Rodou lentamente, ouviu um leve estalido e pronto, a porta estava aberta.


Um grave cheiro de passado e de vento percorria a escuridão daqueles lugares com os quais o salão se vestia. Vozes pareciam dançar ao som de um leve assoviar ancestral que misturavam gritos e chamamentos. Livros observavam cada passo como o desfolhar de páginas que se debruçavam sobre os pés que caminhavam. E eis que subitamente pequenas lembranças se formam em sua mente, mas tudo são fragmentos difíceis de fazê-lo situar-se com exatidão. Um forte cheiro e a vertigem tomam conta de todo seu corpo.

Atraído pelo inesquecível aroma se dá conta de que não há uma só alma viva no apartamento. Tateia as paredes tentando encontrar o interruptor, pressiona-o e nada. Continua sozinho, num cômodo escuro e cheio de fantasmas.

Caminhei tanto sem nem mesmo saber qual o propósito disso tudo. Se é que há um. E o que me resta? Ficar no escuro e ainda por cima sozinho, gritou impaciente. E uma voz lhe respondeu....

- 23 degraus, você subiu nesta torre na esperança de encontrar o que não mais poderia ser encontrado. Apenas este apartamento vazio que contém suas lembranças, seus desejos. Seu grito me comove, mas não mais está aqui a quem buscas. Aqui só encontrarás a dor e a saudade.

Já sabia que esta era a voz de seu coração. Olhou pela janela e imaginou-se caindo, livre da angustia, das lágrimas diárias trazidas pelas doces lembranças, agora amargas. Debruçou-se no peitoril e não conseguia encontrar uma imagem que lembrasse o que apartamento um dia tinha sido, ou tido.

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Sem uma única imagem na memória seus olhos procuraram na vastidão do céu um alento. E ao olhar as longínquas estrelas se deu conta que nele também havia o mesmo brilho, o mesmo pó de que tudo é feito. Foi tomado por essa misteriosa impressão e resolveu que era hora de sair daquela janela, a tentação poderia se tornar insuportável. Voltou-se para o quarto, decidiu vasculhar o apartamento. Abriu uma gaveta e ali encontrou o que pensara ter se volatizado há muito nos vapores do tempo. Ali, onde o escuro tudo escondia um manuscrito. Com as mãos trêmulas e um olhar lacrimoso pude ler:

"O que é passado, presente?O que é a sensação de futuro, quando o espelho mais inusitado são as palavras que tecemos para nós mesmos? Eu sou você que sou eu lendo isso e encerrado neste apartamento que se chama vida, encerrado nessa carta, agora espelho, caminhamos ambos em busca do segredo maior. Deixei ao largo da memória tantas coisas e elas estão por aí... Como achar? Ouça as vozes..."

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Em meio a um turbilhão de sensações busca respostas. Só então se lembra de ter passado por um espelho enquanto percorria o cômodo, um espelho turvo de imagem distorcida.

Se observou, assustado constatou que a imagem projetada não era invertida como nos espelhos tradicionais. Ao longe ouviu um chamado, algo que parecia soar apenas em sua mente.

- Decifra-me... ou devoro-te..
- O chamado da Esfinge - reflete...

Tocou o vidro e assustado percebeu que a superfície não era sólida. O tato denunciou algo parecido com uma gelatina, gelada e fria.

Forçou o movimento e sentiu o braço atravessar a superfície, surpreso, decidiu ir além, ergueu a perna direita e seguiu para dentro do espelho.

Acordou assustado. O bolorento corredor era iluminado por uma única lâmpada que tremulava feito chama de vela. Não tinha muitas lembranças daquele lugar e simplesmente não entendia o que o levara ali novamente, poderia simplesmente ter ignorado o chamado.

Ao pisar as tábuas essas lamentavam sobre seu peso. Colocou a antiga chave na fechadura torcendo que ainda fosse a mesma combinação. Rodou lentamente, ouviu um leve estalido e pronto, a porta estava aberta.

E fim!

quinta-feira, 3 de dezembro de 2009

Uma chave para um recomeço.



"Quem luta com monstros deve velar por que, ao fazê-lo, não se transforme também em monstro. E se tu olhares, durante muito tempo, para um abismo, o abismo também olha para dentro de ti." [ Friedrich Nietzsche ]

Janelas fechadas observo o quarto. Silêncio e som de pássaros Sobre a mesa um xícara com chá descansa. O bem-estar do chá, o pensamento longe , o prazer da escrita.

Começo ansiosamente e com as pontas dos dedos teclo os primeiros acordes.

Depois das mil noites de treinamento constante a recompensa de Sir Loyale, Mago do terceiro circulo da ordem de Balsam Phy, está em suas mãos, literalmente em suas mãos.
Então, atravessa a porta do templo de Sgardia e dirige sua atençao e palavra ao jovem Bardo à sua espera.
Obrigado por vir me buscar Grande companheiro mestre dos contos! Como estás meu bom amigo Herman?


Ótimo Loyale e você, meu bom, companheiro como estas? Conquistou a esfera do fogo celeste?


Sim. Estou ótimo como vê! Trago em minhas mãos a esfera sagrada criada por minha magia em mil noites a fio. O fogo celeste, a chave para a porta da gruta de Gissa e agora poderemos terminar nosso sonho meu bom amigo. Temos a chave. Alegria das alegrias, meu amigo, de posse da chave só nos resta seguirmos rumo à Gissa. E lá, meu grande companheiro, sem mais demora atravessarmos corajosamente os portais, enfrentarmos o que nos aguarda há milênios e só agora nos chega a possibilidade de vivermos todos não só das enfadonhas obrigações estipuladas por nossos medíocres governantes, mas deleitarmos das ocupações livres, dos pequenos prazeres cotidianos, das belas criações, das tarefas ditas sem importância.


Já pensou, meu amigo, que de posse dessa sabedoria somos chamados a um novo viver. Precisamos sair desse lugar, desse mundo mágico em que vivemos e sem demora irmos para outra dimensão para junto dos que nem sonham com esse lugar e tudo o que nele há. Ser livre do seu corpo individual. Viver sem jamais sentir dúvida. Ser coletivo. Uma alma, uma divindade. Ser livre de si mesmo e estar acolhido em uma mente coletiva sem diferenças. Todos sendo Uno, sem matéria, sem corpo físico, apenas energia. Voltar ao estado ancestral original do fluxo. Lá poderemos nos dissolver. Todos seremos Uno. Sem dor, sem vontades. Que maravilhoso será não? É a cura final de nossa natureza que desde o inicio esteve corrompida pelas peculiaridades do vazio, este, que jamais será preenchido sozinho. Temos que ser uma unidade novamente. Chame os outros estamos partindo rumo à terra de Voguilishrat. Os nossos companheiros guerreiros que tanto esperaram por este momento, nosso grupo de aventureiros que vagou por tanto tempo sobre as terras e o pó desta civilização.

Calma companheiros! É preciso cautela para não correr o risco de um eterno recomeçar. E apesar de tanto tempo sonhando com esse momento sinto desapontá-los. Não partirei, mas sigam mesmo sem mim. Usufruam da magia de Voguilishrat e sejam todos Uno. Sem matéria, sem diferenças, dissolvam-se e vivam sem dores e sem vontades. Eu necessito das minhas dores, minhas diferenças. Com as janelas fechadas e o som dos pássaros ansiosamente escrever a última carta explicando que o retorno é eterno e vivemos no eterno retorno. Gissa vivia em mim, eu vivia nela como um pensamento que atravessa o céu da boca. Retornar aqui, vendo as imagens de um passado presente como uma Samsara nos inquirindo do nosso caminho é ter a certeza do ir e vir, o devir.


Loyale sorria em algum lugar.


Todos os outros companheiros de luta e aprendizado compareciam naquela carta para relatar, por meio das minhas palavras, do sucesso do persistir. E o sucesso, companheiros, traz consigo um infinito de possibilidades.
Como num passe de mágica, a cada conquista nos sentimos mais fortes, determinados, senhores de si, mas que sabemos nós das coisas do mundo? E o que nos reservam caminhos nunca antes navegados. Longe de mim o medo. Já disse e repito é preciso cautela.
Portanto, senhores, minha decisão está tomada. Somos fortes, mas somos poucos. Que as ordens sejam dadas e que se juntem a nos, nessa empreitada, toda a legião das montanhas e das planícies. Chegaremos a Gissa ao amanhecer e de lá só voltaremos com o sopro de vida que renovará as forças do mundo.
E cobriremos o solo, o ar, a água e o fogo como o espírito sagrado da natureza. Um véu que ajudará o equilíbrio das coisas. Seremos enfim heróis, sem nomes, sem rostos, sem identidades.


Loyale, bom amigo, se esforçaste tanto para criar a chave! Compreendo-o, companheiro, forneça calor humano para o mundo por nos. Estaremos contigo em presença constante e a cada sopro de vento que sentires ao rosto será o mesmo que um sussurrar de saudades ao teu ouvido.


Vamos partir agora. Esta última jornada enfim começou...

FIM

Youkai, Tina, Alisson da Hora, sueliaduan