era uma sexta-feira fria quando desliguei a tevê, fui à quitanda comprar alface e dei de cara com o amor. ele era grande, forte e me deu medo, mas ignorei, enquanto apalpava e escolhia tomates.
o amor me seguiu e, como se não o visse, fingi procurar repolho. roxo e branco, exatamente como na receita anotada no verso de um papel velho de anúncio de pizza. faltava apenas a cenoura para completar os ingredientes e, depois de pegar sem critério as primeiras que vi na bancada, fui ao caixa.
o amor estava no guichê ao lado e assim que saí percebi que ele ainda me seguia.
Que cor tem o amor? Não posso fugir de me perguntar. Mas tambem não posso ignorar o amor ali, esperando para ser ignorado. Muito além de minhas preocupações existem outros universos fervilhando de energia. Mas eu não sei.
ResponderExcluirDisfarcei mais um pouquinho e fiz sinal para um taxi, so pra ter certeza.
Amor havia sofrido muito, e ficava com pena dele ali, abanando o rabinho com a lingua de fora. Mas não tinha nada a ver com isso. Amor pertencia a vizinha, uma mulher mal-humorada com profundas olheiras.
ResponderExcluirDe vez em quando parava e olhava para tras, ele continuava me seguindo
Uma hora me enjoei e decidi, vou dar uma bica nesse cahorro que ele vai parar do outro lado da rua, cachorrinho de merda. Peguei umrepolho e atirei nele. Ele deu um ganido e continuou la me olhando. Abri a sacola de frutas disposto a descarregar tudo naquele animal estupido. Usava uma mascara de mergulho e pés de pato que a velha com olheiras havia feito para ele.
ResponderExcluirentão lembrei de bunuel em 'esse obscuro objeto de desejo'. lembrei daqueles dois personagens que se amavam mas não davam vazão aos seus sentimentos. lembrei que fui traído várias vezes e me arrependi por ter ignorado e desprezado o amor, que agora insistia em voltar praquela velha.
ResponderExcluirlembrei da figura de meu avô sentado de cócoras ao lado do fogareiro acendendo seu cigarrinho, e dizendo coisas "du coração" (como dizia ele),du zóio no zóio, da boca na boca,
ResponderExcluirquê sabe vou pegar esse animal pelo rabo, a velha que me perdoe esse amor é meu, du coração.
não sabia bem se cortava os zoio dele com uma navalha ou o levava para casa no colo. Um misto de amor e ódio, atração e repulsão. Ele abaixou a cabeça até encostar no chão, e me olhou.
ResponderExcluircomo me aborrecer com aquele olhar cumprido,enviezado,cor de mel.
ResponderExcluirComo se entendesse meus pensamentos,rolou pra cá,pra lá ,tentou de tudo...não resisti..
guardei a navalha pra uma outra ocasião
mas não esperei que ela chegasse tão rápida, já que veio: seja bem vida,pego a navalha...
ResponderExcluire parto pra cima do cão paspalho. Ele não se move. Apenas levanta a patinha e para meu assombro me diz.
ResponderExcluir– Qual é a sua, vc nunca amou?
falei baixinho em seu ouvido,sim amo muito,não saberia viver sem amor, não sei o que me deu...afaguei sua cabeça ,ele olhou-me novamente, que animal
ResponderExcluirsimpatico, como pude sentir raiva dele? Talvez essa coisa do não saber, a dúvida. Minhas frustrações atiradas sobre o pobre animalzinho, foi injusto. Peguei-o no colo e fui andando pela rua. Ele se aconchegou e foi fechando os olhinhos por debaixo da mascara de mergulho e me disse:
ResponderExcluir– Não me leve praquela senhora, ela não gosta de mim, veja este traje ridiculo, indigno pra um cão.
– Fica tranquilo dog, não te levo la não. Foi quando ao olhar para a esquina, la estava ela, em posição de açucareiro, com os braços na cintura.
– Amor!
Amor! que nada!!!percebi pelo seu olhar e pela posição, tão caracteristíca dessa gente chegada à dar ordens, que ali estava uma velha ranzinza querendo seu bichinho de volta. O que fazer?
ResponderExcluireu nunca tinha tido o amor tão perto, quase dentro de mim e aquela velha (que o abandonara) agora o queria de volta! na-na-ni-na-não! o peguei no colo e coloquei-o próximo ao peito, o cobri e levei ao meu apartamento. o amor dos outros agora era meu.
ResponderExcluirera assim que devia ser, pensei.Uma leve culpa quase se instalou, não permiti,quem mandou a velhota ser assim,heim? Tanto tempo vivendo pra nada.
ResponderExcluirAmor balançava agora o rabinho e me olhava la de baixo. Estava tão feliz e eu tambem, afinal nunca tinha tido um cão falante com pé de pato, snorkel e mascara de mergulho. O amor agora morava comigo e completaria o vazio de minha existência. Então ele me disse:
ResponderExcluir– Que teremos para o jantar?
jantar? não temos tempo hoje, pode ser um lanchinho? que tal um cachorro quente.
ResponderExcluirnãoooooooooooo ele sumiu.
– Amor! Amoooooôr! Amor?, Onde estaria o amor, procurei de todas as maneira, fiz de tudo, investi tempo e dedicação procurando o Amor.
ResponderExcluirAh, parece que estava fadado a passar o resto de minha vida sem Amor