Houve tempo — sim, houve —em que me fiz duro e ameacei que não voltaria mais. Voltei. Fui o primeiro a chegar, mas não para ficar. Estava decidido ir-me embora. Não trouxe nada comigo, exceto a rede com que pesquei durante os últimos trinta anos que vivi beira mar. Pela janela do trem ainda avistei os companheiros, o barco e as redes sendo atiradas ao mar. Uma tristeza invadiu meu coração, apertei os lábios firmemente, uma lágrima rolou, mas eu era um homem, e, meu pai dizia que homens não choram. Como ele pôde ter se enganado tanto. Estendi as mãos, e aceitei tranqüilamente
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o lenço que...
ResponderExcluiras mãos enrugadas de seu Orestes me oferecia. Era o pescador mais velho da vila. Não ia mais para o mar. Silencioso, falava pouquissimo e passava horas todos os dias na venda do Amauri olhando para a brisa sua velha conhecida. Sem dizer palavra desceu do trem e se foi...
ResponderExcluirSegui meu caminho com a ideia clara de que adaptar-se a essa nova vida não seria fácil.
ResponderExcluirEscolhi não pensar. Pernas no mundo, olhos no vazio e
ResponderExcluiro balançar dos trilhos me acalentou em ritmo, tao macio e suave era o percurso que sem perceber fechei os olhos, os boroes da costa e do mar recostados sobre as palpebras fechadas figuravam imagens desfocadas das memorias, das felicidades e da vida que aqui vivi.
ResponderExcluirpor fim perdendo o controle de minha conciencia dobrei-me sobre o resplandescente mundo dos sonhos...
lá estava eu, jovem novamente. Os cabelos ao vento, a pele queimada de sol e a esperança de uma pesca farta em mais um dia que se iniciava. A lua ainda nos observava
ResponderExcluire as estrelas brilhavam em um azul que devagar ia se desbotando em cor de neblina,manhã e maresia.Fumo Ruim,como sempre distraído desembaraçando as linhas enroscadas na caixa de reparos.Trocávamos poucas palavras.No mais dizer era um óia o pulo deste baita à sua frente,ou a última moqueca que Joana de Altério havia preparado na festa de São Sebastião.
ResponderExcluirA felicidade dava gozo ao meu coração.Falar prá que?nem carecia.
Queria chegar em casa com fartura
de peixes e beijos.Afagar mansamente a barriga prenha de Helga,minha gringa,amor
Despertei derrepente num vagão ja vazio parado na estação. Desci e me deparei com o espectro da metropole e suas montanhas de predios apinhados de gente, suas avenidas como dragões infinitos e me dei conta que...
ResponderExcluir...nem Helga,nem filho,e nem nada.
ResponderExcluirEm fuga do que não aconteceu.Como eu era feliz em esperança.
Meu Deus !se não apressar o passo não alcanço o ritmo desta gente.
Cato as traias,o papel com endereço,
um nome para me levar adiante...
estava numa fria. Nunca pensei que isso fosse aquilo. Aquilo que por um momento achei que era bem melhor pra mim. Que baita choque! Me senti até tonto...
ResponderExcluirnaquele formigueiro.
ResponderExcluirTer de começar uma nova vida a partir do zero me afligia um pouco. Dentro, uma intuição me guiava. No fundo sabia haver algo reservado para mim.
-Eis me aqui, pensei olhando o papel e o número de uma casa grande e amarela. Vamos lá! Aceitar tranquilamente o que estiver reservado pra mim.
Pressionei o botão da campainha e...
nada. Pressionei novamente. Com o coração apertado,as mãos geladas e uma leve sensação de abandono, me preparava pra ir embora. Quando derrepente a porta se abriu, e um senhor de cabelos longos e passos lentos surgiu. Abriu um largo sorriso e me disse: ....
ResponderExcluir-Adamastor! Mas que surpresa! Ora veja só, você, aqui! Você chegou agora? Venha, venha, vamos entrando, a casa é sua! A viagem foi boa?
ResponderExcluirOlhei-o profundamente,e ainda que envolvido por aquele doce sorriso, disse:- Olha, meu caro, não gosto de ser um estraga-prazeres,por outro lado, sou um sujeito muito direto: Adamastor e eu somos gêmeos. Não sabia de minha existência? Essa minha pergunta, feita assim à queima roupa, não impediu que ele continuasse a sorrir, e mesmo com um ar surprêso disse :um bom momento para nos conhecermos.Foi então que a oportunidade surgiu...
ResponderExcluirsurgiu. Senti que poderia contar sem constrangimento minha história para aquele sujeito cheio de sorrisos.
ResponderExcluir-Eu sou o Otavio, disse estendendo-lhe a mão lentamente por cima do pequeno portão que nos separava.
-Adamastor soube que estou em situação bem difícil e me mandou procurá-lo. Na verdade perdí tudo que tinha de valor: Minha mulher e meu barco.O barco afundou e eu não consegui salvá-la.
O sorriso desapareu do rosto do homem. Abriu-me o portão olhando para o chão e disse:
-Então vamos entrar. Lá dentro você me conta tudo tomando uma boa xicara de café.A propósito, meu nome é...
- Lucas disse eu intenrrompendo-o
ResponderExcluirEle sorriu novamente e disse, não não não, meu nome é Julio, Lucas é meu irmão gêmeo. Fiquei sem saber se aquilo era gozação mas ele continuou:
- Como vê meu jovem temos mais em comum do que vc imagina. Tambem perdi a mulher que amava, mas isso ja faz muito tempo, hoje guardo-a aqui, e pos a mão sobre o coração.
O velhinho me pareceu simpático embora mal o conhecesse. Adentramos sua casa avarandada onde se viam samambaias e rododendros de um vermelho impressionante. Passamos pelo saguão colonial e fomos para um jardim onde havia um banco sob uma frondosa primavera branca. Sentamo-nos e ele me ofereceu um mate delicioso. Então ele me olhou nos olhos e disse:
Sabe Otávio, percebi que gostou das minhas plantas, sinto que temos muita coisa incomum mesmo. É raro vir gente na minha casa sou um gostador de silêncio, dizia meu pai. E ele estava certo, à tardinha gosto de sentar aqui olhar cada plantinha, as folhas das árvores com suas tonalidades diferentes, sentir o cheiro da terra molhada e, às vezes, quebrar o silêncio tocando minha gaita. Dei um pulo do banco, para surpresa dele que assustado arregalou os olhos, e por pouco não derrubo a xícara com o mate. Todo o meu gostar poderia se resumir em: pescar e tocar gaita.
ResponderExcluirAinda perplexo com tamanha coincidência, não pensei duas vezes,tirei do casaco minha gaita, e naquela tarde como em nenhuma outra o som foi...
reconfortante, e naqueles momentos de música, eu e Júlio nada falamos, porque o som nos unia e nos fazia conhecer cada detalhe de nossas histórias trágicas, como uma ópera.
ResponderExcluirContinuei tocando minha gaita, e talvez por estar envolvido demais, não percebi a aproximação de um alguém, que me interrompeu me tirando do devaneio com um leve raspar de garganta:
- Então, até que enfim você chegou Otávio! Vejo que já conheceu meu irmão Júlio, e não, não se preocupe com maiores explicações, a carta de Adamastor explicando sua situação chegou a dois dias atrás!
Constrangido, mas tranqüilo percebi que estava entre amigos.
ResponderExcluirE certamente, como pressenti desde o princípio, havia algo ali reservado para mim...
Lucas se aproximou lentamente fitando-me nos olhos com uma agradável tranquilidade no rosto. Apertou minha mão em silêncio. Sacou do cachimbo no bolso do paletó, acendeu-o ainda em silêncio, mas com a atitude de quem ia dizer algo importante. Tirou uma primeira baforada, limpou a garganta e começou sua fala:
ResponderExcluir- É, no mínimo, espantosa a semelhança de nossas histórias. Nós três carregamos na alma a dor de perdas insuportáveis. Cada um com sua circunstância, mas os três com o seu coração irremediavelmente ferido pela morte de alguem muito, muito querido.
Digo irremediavelmente porque embora tenhamos encontrado algum motivo para continuar neste mundo, sempre teremos esta ferida a nos doer de quando em quando. No meu caso, já faz tanto tempo, que creio ter me viciado nesta dor que a ausência de Lucia me traz.Acho que não conseguiria mais ficar sem ela.Faz parte de minha existência.
Em você é uma dor recente.Uma ferida aberta. Mas você me parece capaz de conviver com ela.Assim como Julio e eu o fazemos.
-Saí com Helga ainda de madrugada, interrompi Lucas. -Na noite anterior não ouvimos rádio nem vimos tv,... nada! Dormimos cedo e bem juntos como sempre.
ResponderExcluirNa madrugada acordamos e saimos ainda escuro. Não sabiamos que teve tornado no mar alto.
Ao sairmos com o barco percebi o mar agitado, mas mesmo assim não pensei em possibilidade de desgraça.
Quando a primeira grande onda nos atingiu o barco mudou de direção e a segunda grande onda nos pegou de lado e nos emborcou. Foi tudo em questão de poucos segundos. Caí naquela escuridão sem ter nenhuma idéia de onde Helga teria caido. A minha direita, a minha esquerda, na frente, atrás? A consciência da trajédia chegou tão rápida quanto o barco virou.
Sabia que era o fim para ela.
Desde que perdera nosso bebê, naquele maldito aborto ela nunca mais foi a mesma.
Acho que quando caiu, entregou-se aquela morte.
Eu mergulhei inúmeras vezes tentando encontrála, mas... nada.
Flutuei por horas a fio nas aguas daquela baía. Meus cabelos dançavam liquidos e se embaraçavam com os dela, sem vida no fundo daquele mar profundo e azul. E seu corpo descia lentamente para um infinito de onde jamais retornaria, de minhas lágrimas fazia parte todo o oceano.
ResponderExcluirMas estava ficando tarde e percebi que estava ainda ali olhando aqueles dois velhinhos me olharem com condescendencia. Lucas pos a mão em meu ombro e disse:
ResponderExcluir-Está com muita raiva de Deus?
ResponderExcluirMe desconcertei. Ele adivinhou meu pensamento.-Si-sim! Você adivinhou! Só não sabe o quanto o odeio!- respondi com voz meio rouca, meio fraca, estrangulada pelo quase choro que me veio. Engoli em seco o amargor da boca e pisquei seguidamente os olhos afastando o ardor das lágrimas que abortei.
-Isto também vai passar- me disse.
-Sem que você perceba, vai perdoá-Lo. Vai perceber que grande parte da humanidade sofre a perda de entes muito queridos.Você não é o único. A morte é necessária de alguma maneira que nós ainda não compreendemos, ou nos recusamos a compreender. Deus não mata. Acho que nos muda de lugar ou de forma, não sei bem.
-Você vai acabar perdoando a Deus. Eu, um dia, aceitei tranquilamente o que ele me reservou.
ResponderExcluirJúlio, até então quieto, rompeu seu silêncio para...
completar tão bela fala. Acredito que perceberá ainda mais:- o que ele reservou é sempre o melhor, nós é que não enxergamos. E, naquela tarde ao som da gaita embrigados pela palavra divina, a idéia surgiu assim misteriosamente,feito um pássaro com seu belo canto. Nos descobrimos músicos, era só uma questão de..
ResponderExcluirharmonia.
ResponderExcluirE Júlio ainda soltou uma risada tranquila e sereno cantou - Como pode um peixe vivo viver fora... como poderei viver ? e animado bateu palmas que ecoaram como um brinde a vida.
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