A porta abriu. Entra um homem. Senta-se e fica olhando para o canto do teto. Cada vez que a porta abria dava pra ouvir o carnaval na rua. Mas ai ela fechava e voltava o ar mudo, o silencio tumular.
Atras da parede de madeira alguem puxou uma descarga, uma porta rangeu. Alguns passos pelo corredor de madeira terminaram numa batida de porta, lenta e pesada. Entreolham-se os olhares. Espera. Tosse. Sorriso. Silencio. Mas ai todos se viram para uma mulher que se levanta e diz:
- O que devo fazer? Vocês não me disseram que viria mais alguém. Mais uma vez todos se entreolham, constrangidos. Nenhuma resposta. Mais uma batida na porta e a mulher, sem paciência, se encaminha para finalmente abri-la e ver quem está do outro lado. Alguém abre a boca e arregala os olhos. Outro lhe faz sinal para que se cale e um terceiro, bem mais velho que os demais, com seu olhar experiente e algo sutilmente cínico, levanta a mão e diz:
- Esse filho da puta vai meter a gente numa grande enrascada. Cochicho geral. Silencio, sussurrou ele um pouco alto, temos que dar um jeito de tira-lo daqui. Com um gesto de calem a boca abriu a porta e com um sorriso saudou o visitante.
- Padre, que bom ve-lo aqui! O padre olhou-o de cima abixo, fez uma carranca e foi sentar-se ao lado do homem que olhava para o teto. Com a mão no seu ombro ele o conforta:
- Meu filho, sei que é um momento duro mas o que vou lhe dizer não pode ser evitado. Você é o escolhido. Alisa o ombro do homem uma ultima vez e firma a mão sobre a cruz pendente de seu peito.
- Não vou fazer. Protesta o homem ainda olhando pro teto. A mulher da porta se aproxima e o velho solta uma gargalhada alta. Silencio e introspecção se segue. O padre toma a iniciativa.
- Você precisa. Saca do bolso o aparelho eletrônico estende ao homem que finge não perceber. Alguém bate a porta novamente e todos congelam em seus lugares. - Quem é agora? Deixa escapar uma voz amedrontada.
- Oh meu Deus, o que serâ de nós, diz uma velhinha que até então ficara num canto sem dizer uma palavra.
- Não se preocupe vovó, diz a jovem ao seu lado, tudo acabará bem.
- Vai depender do que vc considera terminar bem minha jovem, intrometeu-se um cavalheiro baixo com vastos bigodes.
- Cale-se Antenor, disse a velhinha, isso aqui é mais sério do que vc pode imaginar nesta sua cabeça cheia de minhocas.
- Talvez disse Antenor, mas não se pode absolutamente prever o que será dito.
A porta se abre e dois policiais adentram o recinto carregando uma caixa de papelão quadrada, do tamanho de um litro de leite. Colocam a caixa sobre a mesa e dão um passo para tras. O mais jovem dos policiais, então pergunta:
- Quem de vocês pode nos explicar o que significa isso?
- Isso o que? Pergunta a loira sexi enrolando uma mexa dos longos cabelos no dedo enquanto esticava os olhos para ver o conteúdo da misteriosa caixa.
- Ora - ora! Vejo que os senhores abriram uma coisa que não lhes pertencia... - disse o cavalheiro dos vastos bigodes.
- Bem - o policial mais velho olhou para os lados constrangido - não havia nenhum destinatário ou remetente, mas abrindo a caixa encontramos este endereço.
- Acho que agora não falta mais ninguém, não é Antenor? - disse a velhinha, sua mãe.
E como vou saber? - respodeu Antenor visivelmente mal humorado, provocando um surto de risinhos dissimulados nos presentes.
- Esta na hora! - disse o padre enxugando rapidamente uma lágrima teimosa.
- Eu não vou fazer!!!! Escolham outro! - gritou o pobre escolhido.
- É preciso! - disseram em uníssono os três homens que se sentavam sob a janela.
- Ah faz sim, amorzinho... Você vai conseguir! - disse a loira fazendo um biquinho.
Depois de pensar por alguns instante, o homem levantou-se com o aparelho cuidadosamente instalado na concha formada por suas mãos e encaminhou-se até a mesa. Com a respiração suspensa, todos os presentes fixavam o olhar para as mãos do pobre rapaz sobre a mesa, quando alguem gritou
- Espere! Deixa que eu faço. Levantou-se um dos homens sobre a janela com um sorriso suspeito sobre os lábios.
- Não senhor, você não pode. Interpôs-se o padre com um tom grosseiro mais sem intenção de o ser.
- Deixe o escolhido fazer o que tem que fazer. Apoiou-a velhinha. -diga alguma coisa Antenor!
Antenor não disse nada.
- O que esta acontecendo aqui? o policial questionou-os
- Logo descobrirá. Afirmou o homem de vastos bigodes.
Sem que mais qualquer um pudesse interrompê-lo com palavras ou ações o homem escolhido colocou a mão dentro da caixa de onde tirou um fone de ouvido, plugou-o ao aparelho que segurava na outra mão e em seguida voltou a apalpar o interior da encomenda, porem seu pulso agora fora detido firmemente por um dos policiais de expressão tensa.
- Nem pense nisso. Sussurrou.
Num gesto inesperado e tremendo dos pés à cabeça, o pobre rapaz joga o aparelho dentro da caixa de papelão sobre a mesa. O silêncio no ambiente só é interrompido segundos depois por uma pequena explosão e intenso brilho que preenchem todo o espaço. Boquiabertos os presentes assistem ao nascimento de pequeninas estrelas ,que numa espécie de dança cósmica flutuam pela sala.
Sorrindo o policial diz:
- Puxa! Se eu soubesse que era i s s o ! - disse enfatizando o "isso". O policial mais velho coça a barba e, num gesto um tanto brusco, afasta o homem dos vastos bigodes para chegar perto da caixa.
- Espere! Você não pode... - começou a loira.
- Ah! Posso sim! - responde antes que ela continue.
- Não mesmo! Eu é que vou! - gritou a velhinha.
- Parem! - grita o escolhido e todos se tornam imóveis. Apenas os olhos perplexos se movem de um lado para o outro, como a procurar socorro.
Calmamente e sorrindo, o jovem toma o aparelho e o lança à caixa. Então, olha de um para o outro dos presentes e, sem tremer, estufa o peito com satisfação e proclama:
- Voces podem se coçar de inveja, podem ficar com urticarias e manchas vermelhas na barriga mas quem inventou as regras de amigo secreto não fui eu portanto esse iPhone agora é meu!
Suzana Palanti, Youkai, Sueli Aduan e Sergio Cajado